Diego Augusto é um exemplo vivo de um problema crônico nas cidades brasileiras. Vivendo nas ruas do Rio de Janeiro há cinco anos, ele já passou por praticamente todos os serviços de acolhimento oferecidos pela prefeitura e pelo governo estadual. Sua experiência é, no mínimo, desanimadora. Albergues lotados e infestados por percevejos, profissionais que, em vez de ajudar, são vistos como “opressores sociais” e uma total ausência de uma política de saúde mental eficaz.
Quando se aproxima o período eleitoral, a paciência de Diego com as promessas políticas se esgota. “Chegam as eleições e aparecem os futuros prefeitos, vereadores e candidatos. Todos prometem, mas nada muda. Eu sempre incentivo as pessoas a se manifestarem e a denunciarem os abusos que sofrem”, relata Diego, expressando sua indignação com a falta de ações concretas.
Imagem: Senado Federal
A importância das eleições municipais
As eleições municipais de 2024 são uma oportunidade crucial para dar voz à população em situação de rua, como Diego. As prefeituras têm a responsabilidade direta sobre as políticas de acolhimento e assistência social, o que torna fundamental que os eleitores pressionem os candidatos a discutir e incluir esse tema em seus programas de governo.
A professora Ana Paula Mauriel, assistente social da Universidade Federal Fluminense (UFF), ressalta que as pessoas em situação de rua têm sua própria organização política, votam e participam de fóruns de defesa de direitos. Contudo, ela lembra que essa luta precisa do apoio de toda a sociedade. “Eles não podem lutar sozinhos. É fundamental que a gente amplie essa luta e dê mais visibilidade às necessidades dessa população”, afirma.
O tamanho do problema
A luta pela criação de políticas públicas específicas para a população em situação de rua levou à criação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053 em dezembro de 2009. A ideia era oferecer suporte em áreas como saúde, moradia e assistência social. Entretanto, a adesão dos municípios foi decepcionante. Em 2023, apenas 18 das 5.570 cidades do Brasil haviam implementado a política.
Em uma tentativa de atualizar essas ações, o governo federal lançou o “Plano Ruas Visíveis” no final de 2023, destinando R$ 982 milhões para investir em sete áreas prioritárias, como segurança alimentar, saúde, habitação, trabalho e educação. Até o momento, apenas Rio de Janeiro e Belo Horizonte aderiram ao plano.
A falta de dados concretos
Um dos principais obstáculos para criar políticas eficazes é a ausência de dados atualizados. A única pesquisa nacional sobre a população em situação de rua foi realizada em 2008 e apontou a existência de cerca de 32 mil pessoas vivendo nessa condição em 71 cidades. Um novo relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) de 2023 estima que esse número já tenha saltado para 236.400 pessoas, baseado no Cadastro Único (CadÚnico) para Programas Sociais.
As grandes cidades brasileiras concentram a maior parte dessa população. São Paulo, por exemplo, possui cerca de 41% de todas as pessoas em situação de rua no país. Apenas na capital paulista, 64.818 pessoas estavam cadastradas no CadÚnico em 2023. Contudo, o último censo realizado pela cidade, em 2021, indicava que esse número era muito inferior, de apenas 31.884.
O papel das prefeituras
A responsabilidade de prover serviços de assistência social e saúde para essa população recai sobre os municípios. Serviços como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e o Centro POP são exemplos de programas voltados exclusivamente para a população em situação de rua. Eles oferecem desde alimentação e espaços para higiene até encaminhamentos para tratamentos de saúde.
Outro programa de grande importância é o Consultório na Rua, que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e oferece atendimento básico para as pessoas em situação de rua. No entanto, apenas 138 municípios contavam com o programa em 2023, o que é insuficiente para atender à demanda crescente.
A falta de vagas em abrigos é outro grande desafio. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 2022, havia 7.865 pessoas vivendo nas ruas, mas o número de vagas disponíveis era de apenas 2.200, resultando em um déficit de 5.665 vagas.
O papel da sociedade civil
Para Diego Augusto, não há mais esperanças de que as autoridades municipais resolvam o problema das pessoas em situação de rua. Ele acredita que a mudança real só virá com a organização e a luta da sociedade civil. “Quando a sociedade civil se organizar e lutar pelos seus direitos, aí sim, as coisas vão mudar”, afirma ele.
A sociedade como um todo precisa se unir e pressionar os governantes para garantir que essa população tenha seus direitos respeitados. As eleições de 2024 oferecem uma oportunidade para que isso aconteça, mas só será possível se houver um verdadeiro engajamento da população e uma fiscalização constante dos políticos eleitos.